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O que a divulgação dos arquivos de Epstein significa para Trump e seus eleitores

Epstein e Trump juntos na propriedade de Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, em uma foto de arquivo de 1997 Getty Images via BBC A procuradora-geral dos Estados U...

O que a divulgação dos arquivos de Epstein significa para Trump e seus eleitores
O que a divulgação dos arquivos de Epstein significa para Trump e seus eleitores (Foto: Reprodução)

Epstein e Trump juntos na propriedade de Trump em Mar-a-Lago, na Flórida, em uma foto de arquivo de 1997 Getty Images via BBC A procuradora-geral dos Estados Unidos, Pam Bondi, publicou na rede social X, no fim de semana (20/12), uma declaração enfática: "O presidente [americano Donald] Trump lidera a administração mais transparente da história americana". A mensagem tratava dos esforços para divulgar documentos sobre a tentativa de assassinato de Trump em julho do ano passado. ✅ Siga o canal de notícias internacionais do g1 no WhatsApp Mas os usuários da plataforma X que comentaram a postagem de Bondi tinham outra investigação em mente — a que envolve Jeffrey Epstein, bilionário condenado por crimes sexuais (inclusive envolvendo menores de idade) e morto em 2019. E não se convenceram. Veja os vídeos que estão em alta no g1 "Mentirosa", escreveram várias pessoas, além de xingamentos ainda mais agressivos. Um youtuber conservador, conhecido por misturar ataques verbais com promoções de bitcoin, afirmou: "Vou votar em qualquer presidente que faça campanha pela prisão de Pam Bondi pelo encobrimento dos arquivos Epstein". Depois de incorporar à sua coalizão eleitores não tradicionais, vindos de setores mais marginais da internet, Trump e integrantes de seu governo agora se veem confrontados com o pensamento conspiratório que ajudaram a estimular. "Este é o maior acobertamento da história feito por um presidente e em favor de um presidente", disse um integrante de um grupo do Facebook dedicado a investigar o caso. "Epstein é a história. Não deixem o assunto morrer." O principal problema não são as fotos até então inéditas de pessoas como o ex-presidente americano Bill Clinton, o músico Mick Jagger, o também músico Michael Jackson e o lendário âncora de telejornais Walter Cronkite na companhia de Epstein — o que, por si só, não indica irregularidade —, mas o grande volume de trechos suprimidos nos próprios documentos. Durante a campanha no ano passado, Trump sugeriu que apoiaria a divulgação dos arquivos da investigação. Em fevereiro, Bondi afirmou que os arquivos, inclusive, estavam "sobre a minha mesa neste momento para análise". Mas, após tanto tempo e expectativa, a divulgação feita na sexta-feira (19/12) teve impacto limitado. Joe Uscinski, professor associado de ciência política na Universidade de Miami (EUA) e pesquisador de teorias da conspiração, afirma que a coalizão de Trump hoje se define mais pelo ceticismo e pela hostilidade em relação às instituições do que por objetivos tradicionais do Partido Republicano (ao qual Trump pertence). Segundo Uscinski, muitos integrantes do movimento Make America Great Again (Maga, "Faça a América Grande Novamente", em tradução livre) acreditam que grandes números de crianças estão sendo usadas em esquemas de tráfico sexual, convicções alimentadas tanto pelos crimes reais de Epstein quanto por teorias conspiratórias como a QAnon — movimento conspiratório surgido nos EUA que afirma, sem provas, que uma elite política e econômica integra uma rede secreta de crimes, especialmente abuso sexual infantil. "As pessoas não querem necessariamente que os documentos sejam divulgados. Elas querem documentos que confirmem aquilo em que já acreditam", afirma Uscinski. A procuradora-geral Pam Bondi tem sido alvo de críticas, inclusive de membros de seu próprio partido, pela forma como conduziu os arquivos de Epstein Getty Images via BBC O potencial de desgaste político não passou despercebido pelo círculo mais próximo de Trump. Em uma reportagem da revista Vanity Fair, publicada antes da divulgação dos documentos, a chefe de gabinete da Casa Branca, Susie Wiles, descreveu as pessoas motivadas a votar em Trump por causa de suas promessas relacionadas a Epstein como "ouvintes de Joe Rogan [um dos podcasters mais populares do mundo]", ou seja, homens mais jovens que tradicionalmente não se envolvem com política. Wiles classificou a reportagem como um "ataque". Ela, no entanto, não contestou citações específicas, incluindo a afirmação de que Trump ainda não consolidou uma maioria republicana duradoura. "As pessoas que demonstram um interesse desproporcional por Epstein são os novos integrantes da coalizão de Trump, aqueles em quem penso o tempo todo, porque quero garantir que eles não sejam apenas eleitores de Trump, mas eleitores republicanos", disse Wiles à revista Vanity Fair. Pesquisas de opinião e especialistas corroboram a preocupação de Wiles, chefe de gabinete de Trump, com a fragilidade dessa coalizão. Uma pesquisa divulgada no início de dezembro pelo think tank (centro de pesquisa e debate) conservador Manhattan Institute classificou quase um terço dos apoiadores de Trump como "novos republicanos" — pessoas que votaram no partido pela primeira vez em 2024. O levantamento mostrou ainda que pouco mais da metade desse grupo afirmou que "com certeza" apoiaria um candidato republicano nas eleições legislativas de 2026. "Esses eleitores são atraídos por Trump, mas não têm uma ligação confiável com o Partido Republicano", concluiu o instituto. A possível fragilidade da coalizão de Trump está se manifestando em vários níveis. Um grupo decisivo é formado por estrelas das redes sociais e apresentadores de podcasts que, em sua maioria, estão fora dos círculos republicanos tradicionais, mas exercem influência significativa no ambiente digital. Eles foram fundamentais para manter o caso Epstein em evidência nas redes sociais muito tempo depois da morte do criminoso sexual condenado. Um grupo de influenciadores, entre eles Chaya Raichik, criadora da conta Libs of TikTok, o conspiracionista e ativista da Turning Point USA Jack Posobiec e o organizador eleitoral Scott Presler, chegaram a ser convidados para um evento no Departamento de Justiça dos EUA. No encontro, receberam pastas com documentos, que Bondi descreveu como a "primeira fase" da divulgação dos arquivos sobre Epstein. As pastas continham pouco ou nenhum material novo, o que provocou reação negativa. A indignação aumentou em julho, quando o Departamento de Justiça americano divulgou um memorando afirmando que não existe uma "lista de clientes" de Epstein e rejeitando teorias conspiratórias sobre sua morte na prisão. Ainda assim, após a divulgação mais recente, muitos desses mesmos influenciadores conservadores têm se mantido, de forma curiosa, em silêncio. Laura Loomer, influenciadora popular nas redes sociais ligada ao movimento Maga e que ajudou a disseminar teorias conspiratórias sobre Epstein, afirmou que os documentos isentam Trump de qualquer irregularidade. "Talvez agora a imprensa pare de se obcecar por esses arquivos", escreveu Loomer, que mencionou Epstein ao menos 200 vezes no X somente neste ano. Outros, incluindo vários que participaram do evento do Departamento de Justiça americano em que foram distribuídas pastas com documentos, não comentaram a divulgação, nem de forma positiva nem negativa. O silêncio foi notado por comentaristas da direita e da extrema direita, alimentando disputas internas no movimento Maga nas redes sociais. E a controvérsia em torno do caso Epstein é apenas uma entre várias que atualmente agitam o movimento, que também enfrenta embates sobre liberdade de expressão, antissemitismo e o legado de Charlie Kirk. Essas tensões vieram à tona em uma conferência anual organizada pela Turning Point USA nesta semana. Jared Holt, pesquisador chefe da Open Measures, empresa que analisa extremismo online, afirma que o debate sobre os arquivos de Epstein é apenas uma das controvérsias que contribuem para as dificuldades enfrentadas pelo movimento Maga. "No início do ano, o Maga era uma força cultural triunfante e intimidadora. Agora, o trem está saindo dos trilhos, e não há sinal claro de que vá se estabilizar ou se recuperar tão cedo", afirma. Segundo Holt, "a base mais fiel de Trump se enfraqueceu ao longo do ano", mas ainda é cedo para avaliar se a divulgação recente de documentos com extensos trechos suprimidos terá impacto relevante sobre os chamados "ouvintes de Joe Rogan", grupo que preocupa a chefe de gabinete de Trump, Susie Wiles. O deputado Thomas Massie (centro) discursa antes da votação do mês passado sobre uma proposta para obrigar o Departmento de Justiça dos EUA a divulgar os arquivos, ao lado de Ro Khanna (esquerda) e Marjorie Taylor Greene (direita) Getty Images via BBC Vozes influentes no Congresso foram menos cautelosas do que os influenciadores ao criticar o Departamento de Justiça. A deputada Marjorie Taylor Greene, que pertence ao Partido Republicano e deixará o cargo em breve após entrar em conflito com Trump por defender divulgação dos arquivos de Epstein, atacou a divulgação dos documentos e a classificou como "NÃO Maga". Thomas Massie, congressista do Partido Republicano pelo Estado de Kentucky (EUA), corresponsável por liderar a iniciativa legislativa que resultou na liberação dos arquivos, passou o fim de semana criticando o Departamento de Justiça nas redes sociais e em programas de debate da televisão americana. Massie acusou a procuradora-geral e outros funcionários ligados a Trump de violarem a lei que determina a divulgação dos documentos e se aliou ao deputado democrata Ro Khanna para pressionar por maior transparência. Massie sugeriu ainda a possibilidade de acusar Bondi por "desacato inerente" ao Congresso, por descumprir uma ordem legislativa, medida que poderia forçar a liberação de novos documentos. Independentemente de isso ocorrer ou não, novas revelações podem surgir nos próximos dias. O vice-procurador-geral, Todd Blanche, prometeu a divulgação de centenas de milhares de documentos adicionais até o fim do ano.