Por que Trump mudou de ideia sobre os arquivos de Epstein
Após o Congresso americano votar para obrigar o Departamento de Justiça a publicar seus arquivos sobre Jeffrey Epstein, financista condenado por crimes sexuai...
Após o Congresso americano votar para obrigar o Departamento de Justiça a publicar seus arquivos sobre Jeffrey Epstein, financista condenado por crimes sexuais morto em 2019, o texto chega agora à mesa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Se Trump assinar o texto, como é esperado, esse será o ato final de uma mudança notável e abrupta em sua posição. Por meses, Trump rejeitou pedidos para divulgar todo o acervo de documentos do governo sobre Epstein, que também foi condenado por crimes contra uma menor de idade. Em julho, ele descreveu o caso como uma "coisa bem chata". Era assim que Trump lidava com a situação até domingo (16/11), quando, em meio a um número crescente de republicanos na Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados brasileira) sinalizando que votariam pela divulgação, Trump cedeu e os incentivou a apoiar a medida. A guinada abriu caminho para a aprovação massiva de 427 a 1 na terça-feira (18/11). A reversão de Trump representa um caso raro em que políticos republicanos o pressionam a agir — e a mudar publicamente de posição —, em vez de ser o contrário, o que costuma acontecer. Independentemente do que novos arquivos sobre Epstein possam revelar, a disputa expõe fraturas no Partido Republicano e destaca a força da base Make America Great Again (Maga, "Faça a América Grande Novamente", em tradução livre) de Trump. Também mostra que, apesar do esforço, Trump teria dificuldade para desviar a atenção dos arquivos de Epstein se não tivesse apoiado a votação. "Acho que ele vê que esse é um tema no qual está em desvantagem entre republicanos médios", disse Martha Zoller, apresentadora conservadora de rádio e estrategista na Geórgia, no sudeste dos EUA. "Acho que Trump precisava fazer isso neste momento porque quer voltar ao lado certo." Uma pesquisa das redes NPR, PBS News e Marist feita no fim de setembro — quando Trump ainda não apoiava a divulgação dos arquivos — indicou que 67% dos eleitores republicanos registrados defendiam a liberação de todos os documentos de Epstein, com os nomes das vítimas ocultados. Outros 18% apoiavam divulgar parte dos arquivos com o mesmo tipo de ocultação. "A transparência sobre o que ocorreu é extremamente importante para os eleitores", disse Chris Ager, ex-presidente do Partido Republicano de New Hampshire (no nordeste dos EUA), em entrevista à BBC. Ele elogiou a mudança de postura de Trump e afirmou que é sinal de um partido saudável "que pode haver divergência sobre um tema e se chegar a uma conclusão em que essencialmente todos concordam: vamos divulgar os arquivos". 'Maga' despedaçado Durante boa parte do ano, porém, houve divergências duras sobre o tema. A reversão de posição de Trump ocorreu quando crescia a possibilidade de ele enfrentar uma rebelião na Câmara. A "desertora" mais conhecida, a congressista republicana Marjorie Taylor Greene, da Geórgia, afirmou em entrevista na terça-feira (18/11) ao lado de vítimas de Epstein que a disputa "despedaçou o Maga". Por causa da oposição contundente de Greene, Trump a chamou de "traidora" na rede social Truth Social. Normalmente, um ataque público do presidente silenciaria a dissidência de um republicano, sobretudo de alguém que busca a reeleição. Mas, num sinal da força política do caso Epstein, Greene reagiu. "Ele me chamou de traidora por apoiar essas mulheres e me recusar a retirar meu nome desta petição de liberação", disse Greene. A Câmara aprovaria o projeto, afirmou Greene, "porque o povo americano, a quem servimos como representantes aqui no Congresso, exigiu que essa votação acontecesse". Greene, que rompeu com Trump pela primeira vez no início do ano, tornou-se a face pública da dissidência crescente dentro do movimento Maga — não apenas sobre Epstein, mas também em outros temas, como os bombardeios dos EUA a instalações nucleares iranianas em junho e o foco contínuo do presidente em guerras no exterior. Mas, especificamente no caso Epstein, Greene e outros integrantes do movimento exigiram maior transparência, apesar do desejo de Trump de se concentrar em outros assuntos. Após a aprovação no Congresso, eles podem reivindicar uma vitória concreta. "A saga revela o quanto a base republicana exerce poder atualmente", disse a estrategista do partido Rina Shah à NPR. "Os eleitores do Maga estão furiosos." "Essa pressão está forçando até os aliados mais fiéis de Trump a se rebelarem. E sinaliza um Partido Republicano cada vez mais populista, no qual a base pode pressionar líderes a agir, ou eles terão de pagar um preço." A votação sobre o caso Epstein também ofuscou outras iniciativas da Casa Branca. Na semana passada, Trump anunciou que reduziria tarifas sobre produtos como café, bananas e carne bovina, diante da crescente preocupação dos americanos com o custo de vida. "Acho que ele prefere que as pessoas falem sobre esses temas em vez de Epstein", disse Zoller, estrategista republicana na Geórgia. Um alto funcionário do governo Trump disse ao site jornalístico Axios que o presidente americano decidiu abandonar a oposição à liberação dos arquivos de Epstein porque a repercussão se mostrava "uma grande distração". A própria Greene afirmou que a Casa Branca seguia na direção errada ao resistir à divulgação de mais arquivos de Epstein, em vez de se concentrar em outros temas. "É uma direção completamente errada", disse Greene ao site jornalístico Politico. "O incêndio mais urgente é a saúde e a acessibilidade financeira para os americanos. É nisso que o foco deveria estar." Enquanto isso, a Casa Branca declarou à BBC que, "ao divulgar milhares de páginas de documentos, cooperar com o pedido de intimação da Comissão de Supervisão da Câmara e com o recente apelo do presidente Trump por investigações adicionais sobre os amigos democratas de Epstein, o governo Trump fez mais pelas vítimas do que os democratas jamais fizeram." Mesmo além de Epstein, a influência de Trump no Partido Republicano foi testada — e até contestada nesta semana. Há também sinais de possíveis fissuras. Seus esforços públicos para incentivar os líderes de Indiana, no meio-oeste dos EUA, a redesenhar os mapas dos distritos eleitorais para favorecer os próprios republicanos nas eleições de 2026 encontraram resistência no mesmo dia da votação sobre Epstein. O Senado de Indiana, controlado pelos republicanos, votou na terça-feira para suspender a sessão até janeiro, sinalizando que não tratará do tema do redesenho eleitoral. A decisão ocorreu apesar da forte pressão de Trump e do governador (também republicano), que pediu aos parlamentares que trabalhassem no redesenho dos distritos. Trump chegou a ameaçar apoiar rivais nas primárias contra senadores que se opusessem ao redesenho. Mas, assim como no caso Epstein, houve resistência dentro do partido. "Sou parlamentar há 42 anos. Não vou mudar meu voto", disse a senadora republicana Vaneta Becker em entrevista à emissora CNN. Referindo-se ao apelido dado aos habitantes de Indiana, Becker afirmou: "Os hoosiers não estão acostumados a ficar em uma posição de chantagem. Isso não é um bom sinal". Mas, como observam pessoas próximas a Trump, o presidente americano já lidou com consequências e oposição interna no passado. Apesar da resistência em vários temas, Trump continua sendo a figura mais poderosa do partido. "Acho que o presidente será elogiado pelo fato de que a informação será divulgada e estará disponível. No fim das contas, são os resultados que contam, não o processo que nos levou até lá", disse Ager, ex-presidente do Partido Republicano de New Hampshire, em referência aos arquivos de Epstein. Trump fez comentário similar em sua rede social na terça-feira à noite, afirmando que não se importa quando os republicanos no Senado aprovam projetos de lei. "Só não quero que os republicanos tirem os olhos de todas as vitórias que tivemos." O que apareceu sobre Trump nos arquivos de Epstein já divulgados Na quarta-feira (12/11), parlamentares do Partido Democrata na Comissão de Supervisão da Câmara dos Representantes tornaram públicas três trocas de e-mails entre Epstein e sua antiga associada Ghislaine Maxwell — atualmente presa e condenada a 20 anos por tráfico sexual — e entre Epstein e o escritor Michael Wolff, autor de diversos livros sobre Trump. O primeiro e-mail divulgado pelos democratas é de 2011 e mostra uma troca entre Epstein e Maxwell. Epstein escreve: "Quero que você perceba que o 'cachorro que não latiu' é o Trump... a [nome omitido da vítima] passou horas na minha casa com ele." Epstein prossegue, afirmando que Trump "nunca foi mencionado uma única vez", nem mesmo por um "chefe de polícia". Maxwell responde: "Tenho pensado sobre isso..." Um outro e-mail divulgado pelos democratas é de janeiro de 2019, durante o primeiro mandato de Trump, o qual mostra Epstein dizendo ao escritor Michael Wolff: "Trump disse que me pediu para renunciar", aparentemente em referência à suposta filiação ao clube do presidente, Mar-a-Lago. Epstein afirma no email nunca ter sido membro e acrescenta: "Claro que ele sabia sobre as garotas, já que pediu a Ghislaine para parar." A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, disse que os e-mails foram "vazados seletivamente" por democratas "à mídia liberal, para fabricar uma narrativa falsa e manchar o presidente Trump". Trump diz que foi amigo de Epstein por vários anos, mas que os dois romperam relações no início dos anos 2000, dois anos antes da primeira prisão do milionário. O presidente tem negado qualquer envolvimento em crimes ligados a Epstein. Em setembro, parlamentares divulgaram uma cópia de um "livro de aniversário" entregue em 2003 a Epstein. O material, entregue ao Congresso por advogados do espólio de Epstein, inclui uma nota supostamente escrita e assinada por Trump. Eis o conteúdo da suposta carta, traduzido: Narração: Deve haver mais na vida do que ter tudo. Donald: Sim, há, mas não direi o que é. Jeffrey: Nem eu, já que também sei o que é. Donald: Temos certas coisas em comum, Jeffrey. Jeffrey: Sim, temos, pensando bem. Donald: Enigmas nunca envelhecem, você reparou isso? Jeffrey: De fato, isso ficou claro para mim na última vez que te vi. Donald: Um amigo é algo maravilhoso. Feliz aniversário — e que cada dia seja outro segredo maravilhoso. Donald J. Trump Quando a existência da nota atribuída a Trump foi revelada pelo Wall Street Journal em julho de 2025, o presidente americano disse que ela era "falsa" e negou ser o seu autor. Trump processou judicialmente repórteres, editores e executivos do jornal, incluindo Rupert Murdoch, dono da News Corp, pedindo indenização de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 55 bilhões). Ainda não houve decisão final sobre o processo. A suposta carta de Trump a Epstein, com desenho de corpo de mulher, divulgada por parlamentares dos EUA Epstein disse que Trump 'passou horas' com uma de suas vítimas, diz email divulgado pela oposição Por que suco de laranja brasileiro é maior beneficiado do recuo parcial de Trump (e o que Brasil ainda espera das negociações)